16 mulheres e 1⁄2 15.04.19
RELATO
Riso_sinuoso_vibração_suor
O cor-de-rosa e o sinuoso para mim davam a letra... Algo de sexy e libidinoso...
O riso na horizontal, com corpos comprimidos pelo peso e gravidade era falso, não tomava o corpo. Já o riso na vertical e no abraço era delicioso... o corpo era invadido e se retorcia... braços enrolados ao pescoço do outro, cabeça e tronco arremessados para trás, quadril para frente e pernas que se entrelaçavam às do outro corpo, risadas escancaradas e arregaçadas.
O sinuoso era denso como que cavando o espaço. Se não tivesse a limitação do espaço do fundo da sala, da balada suadora, o sinuoso teria sido diferente. O corpo não ganhava o espaço com deslocamentos e sim se resolvia com sinuosidade em pequenas partes dissociadas e nos gestos... dedos que faziam círculos no chão, quadril que circunscrevia o espaço, braços e troncos que serpenteavam o teto.
O tremor era espasmo. Geralmente durava pouco.
O sinuoso colado no outro corpo era suor, suor, suor, mãos, pernas, quadril, pés enrolados. Derradeiramente acabava no chão, em um amontoado de corpos serpenteantes e famintos.
Gengibre
Fogo na boca
Ladainha
A principal sensação do deslocar, na tentativa de conexão, era: orelhas pregadas nas paredes, cada uma em uma lateral, corpo expandido para a direita e esquerda. Energia, sons, rastros.
Os relatos da escrita automática são muito reveladores... ADORO!!! Porque a conexão é tão difícil? Pelo menos metade do grupo já se conhece há algum tempo, mas mesmo assim a dificuldade permanece... Lembrei desse exercício que alguém deu para o Cartográfico nos seus primórdios... A gente se conhecia muito, mas precisou de um tempo para afinar a escuta de verdade. Será que desaprendemos a nos conectar? Será que esse mundo pautado basicamente nas imagens e no visual limitou a nossa conexão a somente esse sentido - a visão? Fiquei pensando no quanto a chegada a uma ação coletiva se pauta por elementos externos, que embalam vários indivíduos não conectados entre si, mas sim envoltos por essas ondas externas. O som, por exemplo. Uma música numa balada que leva os corpos individuais a entenderem que estão em um corpo único, mas na verdade não... individualidades embaladas por um mesmo som, num mesmo espaço... uma falsa conexão ou uma conexão distinta... não sei... talvez esteja pessimista quanto a qualquer possibilidade de conexão, só isso.
Os símbolos entre a insistência da poesia eram os objetos de atenção. Esses devaneios entre a mesmice, esses lapsos em meio ao cotidiano, esses prolongamentos e distorções pela repetição... números, girafas, desenhos...
O deslocamento começou e as palavras iniciaram para não mais parar. Não tive plena consciência da potência daquilo para mim até chegar ao final, mas vamos por partes...
Primeira diferença para outras experiências vividas era que o deslocar não era resultado de um impulso corporal vindo do outro. Logicamente que isso estava presente. Mas o deslocar se pautava muito pelo som. Por alguma palavra que me chamava a atenção. Por alguma frase densa que corria pelo espaço. Aquele som se transformou em uma nuvem, que circundava os corpos e, dependendo da palavra, gerava um vento entre eles. As palavras do início praticamente sumiram. Agora era um diálogo sem sentido com as novas palavras e frases que atravessavam. Contaminações dos outros na sua própria narrativa. Lá fora, na rua, palavras que vinham da concretude se misturavam às sem sentido... eu olhava para a janela acesa em um edifício e alguém passava por mim e dizia “janela” e eu completava “girafa”. “Dois cachorros” perseguiram a ladainha do começo ao fim e até um cão de verdade cruzou o cardume. Algo de surreal pairava. A saliva ficou densa. O gosto ficou amargo na garganta. Ela parecia inchada. O engolir era custoso.
O intenso mesmo foi quando tudo acabou. Meu corpo vibrava e minha cabeça era um imenso subwoofer pulsando. Poderia passar dois dias quieta. A nuvem de sons de fora habitou silenciosa dentro da minha imensa cabeça. Louco. Só voltei à sensação cotidiana depois de uma noite dormida.
Devires Girantes
O subwoofer não me deixava debater. Olhava atônita para todos. As palavras no círculo me eram custosas... o som não queria mais sair... já tinha gasto ele todo.
Os círculos foram um alívio. Giro lento com luzes borradas em linhas no horizonte. Tinha certeza que cairia no chão em breve... mas o tempo foi passando e aquela situação se tornou muito estável. Os pés acharam uma cadência que estruturava. Uma percussão. Esquerda e direita e riscos no horizonte | Esquerda e direita e riscos no horizonte | Esquerda e direita e riscos no horizonte. Rodaria por três dias. No deslocamento de mãos dadas, os pés pareciam cheios de raízes que chegavam ao centro da terra. A escrita na verdade foram círculos insistentes. Pretos. Inúmeros deles, para fechar essa noite... teimosa, persistente, constante.
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