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Registros sobre a construção do SAMPLE- por Maira Barbosa

Registros das investigações


Dia 05/02/2018: Inicialmente senti que não daria conta da proposta e veio uma

vontade muito grande de não fazer. As colegas pareciam ter entendido e dançaram

bonito, coisa que não me sentia capaz de fazer.

Quando enfim me pus a dançar, senti uma grande surpresa. Havia pensado que me

moveria com foco nos quadris, mas não foi o que aconteceu. Surgiu um movimento

potente que partia do peito, das costelas. E que tinha certa continuidade, apesar de

sentir algumas quebras. Foi bom dançar, prazeroso. Ao final senti que algo havia se

desprendido e tive vontade de dançar mais.

Lembrei-me dos movimentos do jazz que fiz há muitos anos atrás. Questionei se eram

autênticos os movimentos de agora ou algo estereotipado que ficou no corpo, das

repetições cotidianas. Preciso voltar a investigar...


Dia 19/02/2018: Eu me surpreendi com os focos: torcer/espiral e cair. Surpresa

maior veio com os contrários: socar e levantar. Foi muito potente soltar o soco. E que

satisfação! Surpreendi-me porque geralmente fico contida, suave, sutil. Lembrança do

balé clássico.

Meu sample: força da repetição, torção sem sair do chão. Reconstruir, ressurgir,

transformar = imagem do furacão.

Chicotear, deslizar, pressionar.

Interesse: movimento em espiral baixo, giro no chão, torção da coluna, pressão lenta e

subir rápido. Prazer no espiral, pressão da barriga no chão, segurança, satisfação em

dançar, alongar pernas em espiral, estender a coluna. Segurança em cair, cair e

levantar, enfrentar o desafio do rolamento.

Opostos: torcer x socar, cair x levantar.

Escrita em fluxo sobre meu movimento: vontade de chorar, raiva, força, saudade do

meu amor, rejeição, transbordar, vontade ocupar meu lugar. Movimento forte, com

energia, pesado.


SAMPLE: amostra, fragmento (conceito emprestado da música). "Trecho característico

que de tão distinto pode representar o todo. Unidade de informação que pode vir a gerar novos padrões, novas formações, aspecto de formação, traço da escritura coreográfica, renitência de sua relação como artista. Memória acessada, selecionada e passível de ser replicada. " (Marcelo Evelin para Rumos Legado Dança sampleado )


Aquilo que já está aqui e agora.


Dia 26/02/2018: Como me volto para o corpo a partir do que surgiu?

MEDO DO NOVO: decisão de seguir em frente!!

Movimentos circulares que iniciam novas relações: encadear de torções, descer e

subir, recolher e estender de pernas, suporte na coluna e abdômen, às vezes lento e

contínuo, outras rápido e pontual. Giro com pernas e braços no nível alto, expandindo

para torção na coluna (cambrê). Muitas curvas e sinuosidades.

Isolar o que é contínuo e persistir.


Dia 05/03/2018: Pedido: olhar o próprio sample, o que permanece.


Lembrei-me do conceito de “Espaços da Memória”, de Ecléa Bosi (livro “Memória e

Sociedade: lembranças de velhos”, São Paulo: Companhia das Letras). Trecho de

entrevista:


“O passado não é uma sucessão de fatos ou camadas que se vai escavando. A memória

desconhece a ordem cronológica. Minha hipótese é que ela opera com grande

liberdade, recolhendo fatos memorados no espaço e no tempo, não arbitrariamente –

mas por que se relacionam através de índices de significação comum. São constelações

de eventos mais intensas quando sobre elas incide o brilho de um significado coletivo.”

Ou seja, nossa memória não é linear, se apóia no espaço, se apoia nos outros a nosso

redor. Portanto, penso que o sample também sofre influência deste grupo em sua

construção, é afetado pelas demandas do presente.

Trabalho com coluna: dupla com Mari.

Que extrato da memória está presente para somar força e leveza, delicadeza e

grotesco, potência, beleza e punhal? Imagem que fere e protege.

Interesse: sinuosidade, leveza, redondo. Prazer em poder me apoiar. Ataque, potência

e foco. Opostos e ambivalências simultaneamente presentes.


Dia 12/03/2018: Conversa coletiva sobre os efeitos do trabalho com coluna


Houve uma impressão geral de “desarranjo”, como nas palavras de Fabi: “tirou meu

tapete”.

Fiquei perdida: qual é meu sample? Percebi-me apegada a alguns movimentos que não

apareceram.

Descontinuidade/continuidade: A partir da observação dos colegas percebi que há

diversidade de pontos de vistas, interpretações, mas também há o que persiste, o que

tem uma continuidade.

Pensando sobre a fala de Tayná: “sinto que as palavras não conta da experiência, fica

muita coisa fora”. Sim, as palavras são um recorte da experiência. Mas ao mesmo

tempo as palavras dão um contorno, uma continência para o experienciado.


Registro sensorial do movimento:

Inicialmente muito, muito medo do novo, vontade de ir embora, adoecer.

Fui surpreendida pelas minhas possibilidades ao mover.

Sentimento de não pertencimento, estranha no ninho: inferioridade.

Ao mesmo tempo familiaridade, o corpo que responde.

Dificuldade de continuar, quebras e pausas intercalam os movimentos: hesitação.

As curvas se fazem presentes, como no meu corpo.

Penso no velho conhecido, quase retorno, mas decido seguir adiante.

Não quero ser a luz de ninguém. Quero ser minha própria luz.


(Tentativa de) Registro objetivo do caminho feito, dos movimentos:

Tronco sinuoso, curvas, torções de coluna.

Giros para trás, com braços e pernas acompanhando.

Subir e levantar, de várias maneiras, buscando ser o mais fácil possível.

Caminhar, lento e rápido. Rolamentos no chão.

Movimentos de contratempo, seguido pelo caminhar.


Dia 19/03/2018

Descrições (em fluxo) sobre meu movimento (construção do sample) e minha

narrativa, os quais me fizeram muito sentido:


1) Descrição feita por Carol:

“Cadê meu movimento? Cadê meu sample? Não sei se estou dentro ou fora, se sou

artista ou psicanalista. Sentia-me escalando pedras para chegar lá. Achava todo o

movimento estereotipado.

Depois vi que comecei a ter prazer, aprendi várias coisas nessa vivência e com isso os

movimentos se tornaram mais fluidos e circulares.

Mas daí também me perdi nesse labirinto. E então, qual é o meu movimento? Fluido

ou golpeado? Cair ou levantar?”


2) Descrição feita por Fabiano:

“Dando voltas em estéreo tipos em voltas. Desconforto: não sei se estou aqui, cadê

meus pés?

Fluidez, encontrei, curvas, acho que encontrei meus pés. Estou entrando e saindo. O

oposto é socar, quero socar com agressividade, um ponto vermelho na fluidez das

curvas que encontro meus pés no chão. O soco tem pé no chão? Não sei. Mas entro e

saio.”


Questões:


1) Encontro prazer na agressividade?

2) Cair é fluido, é prazer, é socar-se ou é socar o chão?


Minhas reflexões após movimento:

Sim, encontro prazer em socar. Mas ainda me assusto com minha agressividade.

Acho que encontrei meus pés, me senti mais enraizada. Não tive vontade de ir embora

como antes. Senti muito prazer em estar aqui, em pertencer!

Experiência do belo nas árvores, cheiro de natureza, alegria de olhar ao redor o espaço

e os outros, beleza no simples do cotidiano.

Percebo maior integração entre o leve e o pesado, o suave e o forte, o redondo e o

quebrado. Achei meus pés!

Estou mais firme! Na dança e na vida! Quanto aprendizado! Aconchego da sala: não

quero sair.


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