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Ando como uma garça-antílope ou “A queda do céu”

Registro 09/09 – 16 mulheres e 1/2 – Pedro Athié

Vitalidade exaltada, cérebro solto. Retorno à essência de tudo, pré-história, um retorno necessário ao anterior à linguagem no lugar do simbólico e do instinto, é um retorno urgente e necessário o tempo todo. Um lugar conhecido porem há muito não habitado - o que torna tudo novo, só conhecido pela ancestralidade de um corpo que não vivi, mas que sinto e farejo à distância, como todos nós seres humanos. Um retorno que faz olhar para as nossas mãos que são pura história, pré-históricas, garras afiadas, finalmente. O lugar do meio-entre-passagem do ser-humano e do animal, mostra como somos habitados ferozmente por forças que desconhecemos e que quase nunca vem à tona. Mas que estão ali à espreita, pronta para devorar o outro e a si mesmo. O Grunhir de meu bicho é abafado, vento do fundo da boca, vindo do fundo da boca, esfenóide. Como um suspiro cansado de urso.

Acesso muito primordial e assertivo esse do Kempo, mesmo que pouco preparado, alongado parece que em instantes a percepção intuitiva em nós conduzida por quem orienta, já vem naturalmente e latejante. O corpo animalesco que buscávamos em coletivo ou não, aparece finalmente, fora da representação e com toda carga simbólica e física. Imitava muitos animais quando criança e rapidamente as memórias emergem com muita potência. Mesmo em um dia esgotado fisicamente e mentalmente; o olhar, os órgãos, as garras, a bacia e cauda, vem intuitivamente para fortalecer.

Muita saliva durante o programa performativo, e o bicho de fato volta. As qualidades auxiliam como partituras para imagens antes difíceis de acessar. A relação entre os objetos e os outros performers operam nessa chave do animalesco. A vibração como cama que vem com tudo desnorteando algum fluxo, por vezes até suga, mas voltamos ao movimento fluido, instintivo. Olhar do guerreiro que se cuida. Lambemos uns aos outros, mordidas, salto para proteção. Caímos juntos. Lambi pé e mão da outra animal. Disputei numa dança singela e delicada, um pedaço de roupa rosa que era minha camiseta, com outra animal. Era delicado mesmo que animalesca essa disputa pois havia cumplicidade no olhar. Éramos como dois filhotes de algum animal brincando com aquilo, tanto que depois andamos e nos roçamos juntos.

De fato, o abrir e fechar da boca e dos dentes e do som, tem a ver com um lugar profundo dos órgãos e dos cantos inferiores da boca quase na garganta, isso torna tudo mais tridimensional e menos frontal da cabeça.

Meus bichos são pesados, bufam, carecem de afago na cabeça, procuram por amor e erotismo, salivam por esgotamento e não querem embrutecer. São mais lentos do que ágeis, pulam menos do que se espreguiçam. E o andar é contaminado por boca em relação à bacia ondulante. Existem os pés que querem romper com o chão e batem com força contra ele, pontualmente, bem no calcanhar. Ando como uma garça-antílope.

Abre-se nesses distantes instantes feridas antigas em cada um e em mim. Capazes de contar histórias desde muito tempo atrás e, as historias como Davi Kopenawa em “A queda do céu” nos lembra, é o que não deixam morrer diante às catástrofes e foram elas que salvam por séculos, os povos indígenas.




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