Esse post deveria ter sido escrito durante o fim de semana. Mas acredito que o acaso sabe o que faz e talvez eu precisasse do encontro e da deriva que fizemos hoje/ontem mais cedo para escrever esse relato.
Para mim, a relação do lado A com o lado B é algo muito potente. O lado de "ser bom" lutando de frente com o lado de "poder ser ruim". A questão do juiz. A liberdade no lado onde tudo pode e da obrigação maçante sempre presente naquilo que temos de interessante para mostrar para o mundo. Mas, para mim, o mais interessante mesmo foi o meio termo, meio do caminho, a parte sem nome.
A parte do meio do caminho é aquela que apenas existe. "O meio não tem a obrigação de ser nada" - uma das minhas anotações no dia 26. Hoje, por puro acaso, quando a Tayná observou meu caminho torto pelo lado A e lado B ela falou sobre como os movimentos surgem a partir do nada e me deu o desafio de um percurso onde eu me permitiria chegar ao nada para criar alguma coisa.
Talvez isso já estivesse presente na deriva do dia 26, quando percebi o quanto a rua e a cidade me afetaram e condensaram meu sample em algo bem menor do que ele era (em questão de movimentos), e o preencheu com outros signos vivos que o espaço já tinha. Senti que não perdi a obrigação de ter uma explosão de movimentos. Pelo contrário, os movimentos eram simples e totalmente atravessados pela própria existência do espaço.
Várias coisas surgiram: a vontade de correr, a vontade de parar em frente a placas que diziam que não pode estacionar, os olhares tortos de um segurança de prédio e de uma senhora na janela e, o que me deixou mais inquieta, uma busca totalmente inesperada por um pixo no muro que diz "A VIDA É UM EMARANHADO DE NÓS". Esse pixo eu já conhecia (ele tem um significado muito especial para mim), mas dessa vez não consegui encontrá-lo. Parecia que eu estava mesmo solta, à deriva, sem saber por onda andava. De qualquer forma, essa "não encontro" de algo significativo me levou até um fusca quebrado, onde parei, sentei e pensei sobre a vida estar por um fio.
Esse foi o fim da deriva do dia 26, da qual saí acreditando que o espaço da rua permitia que o sample não tivesse tantos floreios, tantos exageros. Sim, é muito bom ser pequena em relação ao espaço e saber que ele existe independente da sua presença.
Mas hoje, após uma nova deriva, venho a pensar se na verdade a rua permite essa diminuição do movimento ou se ela força o sample a ser menor e mais contido. A rua cria signos que substituem a dança? Ou ela apenas joga a dança fora? Talvez não seja mesmo permitido dançar na rua. Ou talvez o desafio do novo percurso seja criar uma forma de permitir essa dança do sample, totalmente atravessada pelo espaço (seja ele qual for). Estou até agora me questionando sobre o papel da dança nesse quadro.
Não sei se é possível responder a alguma dessas questões.
Sei que, ao fim da deriva do dia 3 de abril, parei na praça, balancei o balanço de pneu e o vi dançar sozinho, por ele mesmo, bem na minha frente.
Um pneu dançando.
Tive vontade de fazer um duo.
Perguntas e respostas
O que provoca o desvio?
Às vezes a falta de interesse ou o não querer olhar. Às vezes o cansaço. Às vezes, o que causa o desvio é o próprio ponto de ativação, aquela coisa nova que não esperávamos que acontecesse e que nos tira do conforto e da estabilidade.
O que provoca a permanência?
O interesse, até mesmo por algo que não está bom. No lado B o que provoca a permanência é acreditar que algo bom vai sair de lá. No lado A, o que provoca a permanência é um estado de presença. Na rua, a permanência é o próprio estado de encontrar algo que me tira do normal.
O que possibilita o trânsito?
Saber que naquele momento e naquele lugar eu posso e quero mudar de estado.
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